Memória
Andei a pensar em ti – e tu estavas linda. Não irei te descrever, porque não quero que o leitor te imagine sem roupa. Havia uma garrafa de vinho, duas taças e pormenores inerentes a um farfalhar de duas pessoas que acabaram de se amar. Ao acordar, senti teu cheiro no cobertor – era o mesmo que vagueava pelo quarto quando tu voltavas do closet vestindo aquela lingerie. A mesma lingerie que, no findar da noite, acabava esquecida em algum canto do quarto.
Outro dia, achei um brinco teu; tu o esqueceste aqui em casa naquela madrugada, quando tu me ligaste perguntando se eu queria transar. Eu disse que sim e, a me perder nas tuas curvas, senti o teu corpo pela última vez. Foi uma foda estranha. Ao mesmo tempo em que eu conhecia teus gostos e tu conhecias os meus, senti que tudo era meramente carnal – algo que nunca nos representou quando estávamos a sós, entre quatro paredes.
Ainda guardo o teu perfume na memória, mas confesso que não tenho nenhuma saudade para guardar em um lugar nobre do peito. Não há desejo de regresso, e o meu pensar rima direitinho com a tua ausência. Na hora do caos, eu sabia que ia passar; só não sabia que todo aquele amor iria se transmutar em uma literatura que só sabe reprisar, nas minhas paredes, o eco da tua voz.