Ensaio sobre a libertinagem
“Esses poetas são a pior espécie”, declarou Ana, em voz alta, enquanto todos bebiam e riam das piadas do nosso amigo escritor. A olhar para os olhos de Sofia pela primeira vez, comentou: “Nunca estive no Paraíso, tampouco sei se acredito nele, mas o teu olhar deve ser, com visão para ele, alguma espécie de janela.” Com os olhos castanhos caramelizados, a moça não levou muito a sério, sobretudo pelo fato de que o nosso amigo já estava na quinta dose de vodka com limão — mas em seu íntimo ficou mexida sim e torceu para aquele comentário ter algum resquício de lucidez. Os flertes dele eram engraçados e, à medida que a noite avançava, os dois estavam mais e mais envolvidos.
A dependência do ser humano da esfera social é capaz de trazer muitas humilhações, mas algumas, mais do que outras, em um grau maior de loucura e imprevisibilidade. Há uma necessidade da compreensão de outra pessoa para nos sentirmos inteiros, o sentimento de pertencimento que habita no íntimo do ser humano é natural, mas até que ponto podemos ir sem ferir o nosso próprio eu? Até que ponto podemos ir ao encontro do outro ser humano sem esmagar o amor próprio? Afinal, o contato consigo mesmo não substitui o convívio com as pessoas, porém só se sentir vivo quando está acompanhado é um sinal claro de que há um problema que precisa ser resolvido.
“Mas é claro que quando nos casarmos, iremos ter dois filhos”, declarou Sofia, pensativa. “E um cachorro”, completei. Brincávamos como dois adolescentes a falar do futuro, é óbvio que boa parte da conversa que estávamos a ter não poderia ser levada a sério, afinal, que tipo de ser humano em sã consciência faz planos de futuro e a tão longo prazo com alguém que não conhecera sequer há mais de meia hora? É claro que em tom de ironia e brincadeiras com fundos de verdade, os dois tentavam se equilibrar num jogo de palavras e olhares.
Não é como se o nosso amigo estivesse perdidamente apaixonado por Sofia, ela havia o encantado suficientemente para que ele pegasse o número dela e, talvez, mandasse mensagem depois. Pelo pouco que o conheço, penso que a lábia dela deve ser muito boa porque já vi ele pegando muitos números por aí, mas nunca mandando mensagem para ninguém.
Um moço estranho se aproxima de nós, nos cumprimenta, beija a boca de Sofia e diz:
“Oi, amor! Que bom que você já chegou.”