Deborah
A tua ausência é um eco com o qual ainda estou a me acostumar. É curioso como a presença de quem parte continua habitando os intervalos do cotidiano não como uma sombra, mas como um vestígio de luz. Há conselhos teus que reverberam sem precisar de lembrança; eles simplesmente voltam do jeito que sempre foram: certeiros, despretensiosos, verdadeiros.
Outro dia, me peguei pensando naquela nossa última conversa; tu me perguntaste se eu estava a beber. Eu disse que não, que tinha parado e, em resposta a um story onde aparecia um decote misterioso, tu encaixaste aquele comentário tão teu, meio conselho, meio puxão de orelha: para ter cautela com certos encantos, aqueles que não se interessam exatamente por quem eu sou, mas pelo que posso oferecer. Tu sabias ler as intenções onde eu insistia em ver inocência.
Escrevo esse texto enquanto o Bart, o gato, sobe em cima da cama; a memória dos teus conselhos, das tuas frases e dos teus puxões de orelha ganham o peso de uma herança silenciosa.
Deborah tinha uma paixão quase ritualística por perfumes. Não era vaidade vazia; era uma espécie de assinatura invisível. Ela acreditava que a memória das pessoas estava menos nas palavras e mais nos cheiros. Escolhia cada fragrância como quem escolhe uma armadura para o dia — às vezes doce e floral, às vezes intensa, quase impertinente. Sabia que, depois do olhar, era o perfume que mais marcava uma presença.
Admiro a tua força para suportar toda essa luta e, acima de qualquer coisa, pela trajetória que construiu aqui na Terra. Os Espíritos de luz com certeza a receberam com muito amor e, findada a sua missão aqui com a gente, com certeza há de desenvolver missões grandiosas em outros planos.
Tu foste, e és, Deborah, um daqueles raros encontros que não se explicam. Um ponto de lucidez na desordem das paixões. Vá em paz, amiga querida. Sigo aqui, em meio ao caos; tentando merecer essa amizade que a vida me deu e a morte não levou. Porque há laços que não se rompem. Há vozes que não se calam.