Carta

Carta para Letícia – e a resposta dela

janeiro 7, 2024 · Pedro K. Calheiros

Eu sei que tu me pediste uma crônica, mas te escrevo uma carta – o que avalio, em muitos aspectos, ser mais pessoal do que o teu pedido, algo mais à altura do que tu representas para mim. As crônicas se perdem no tempo, são quase que como jornais literários com um prazo de validade determinado, diferente da nossa amizade, da nossa sintonia e do quão evoluímos com o tempo, apesar dos estorvos vários a tentar nos separar.

Eu queria te dizer tantas coisas, mas não quero te encher com o meu lirismo barato, tampouco com o meu excesso de loucura, sempre inerentes aos artistas e aos tresloucados que escrevem versos regados de desejo e paixão. A presente carta me causará muitos problemas; um dos motivos que me fizeram postergar a sua publicação foi justamente esse: o ciúme. Tenho certeza de que agora, mais do que nunca, choverão pedidos de crônicas de todos os meus amigos e conhecidos, parentes e pessoas que eu sequer conheço o bastante para escrever.

Pois bem, não quero me prolongar; o seu tempo é valioso – e o meu também. O que eu preciso te contar é que eu fui a uma cartomante. Ela acendeu incensos, me observou meticulosamente e tirou as minhas cartas a respeito da minha vida amorosa. Nada diferente sob a luz do Sol. Ela disse que vou viver um grande amor nesse ano que começa, o que, na minha cabeça, não faz sentido, porque a última coisa que eu quero no momento é uma namorada. É bem verdade que estive a flertar, tive um encontro ou outro, mas nada que me mexa o coração a ponto de dizer: okay, temos um problema.

Nós somos jovens demais, Letícia e, apesar de eu ficar falando por aí que sou um idoso, ainda temos tanta coisa para fazer nesta encarnação que, só de pensar, eu fico com preguiça. A existência, em sua essência, nos enche de cobranças. Temos que estudar para ir bem na faculdade, resolver as coisas do trabalho para não sermos demitidos, escrever porque o jornal precisa de textos para não ficar um vazio, flertar para aproveitar os prazeres da carne e, sei lá, no final de tudo a gente morre e só sobra um legado. Tu és uma mulher extraordinária e tenho certeza de que deixarás um legado enorme para o direito e para o jornalismo brasileiro. Obrigado por tanto!


Carta para Pedro

Acredito estar deselegantemente tardia, visto que estou praticamente há 1 ano atrasada em lhe responder a carta que me enviou no dia 21 de janeiro. Já fizeste manifestações no jornal, no Twitter e até mesmo pessoalmente; sinto em lhe dizer que minhas palavras sempre foram bastante reservadas quando dizem respeito às pessoas que eu amo, categoria à qual tu perfeitamente te encaixas.

Bem, querido Pedro, ao menos meu atraso serviu quase como um “oráculo” invertido, aquele que vem do passado falar no presente.

Você viveu, sim, um grande amor, ou talvez vários; vi você se apaixonar diversas vezes, seja o seu alvo uma linda mulher ou até mesmo suas infinitas obsessões. Não posso negar que eu fui a maior opositora de uma grande parte dessas paixões, mas não por ciúmes ou mesquinharia, e sim por te conhecer profundamente e saber que nem todos são merecedores de usufruir do bel-prazer da sua companhia.

É bem verdade que tivemos um ano atípico, cheio de altos e baixos; devo lhe relembrar que fizemos novas amizades, deixamos algumas para trás, tivemos paixões e desamores, iniciamos e saímos de estágios acadêmicos, conseguimos todas as horas complementares que precisávamos, fomos aprovados em todas as matérias da faculdade, sobrevivemos a todas as brigas e discussões, sejam elas motivadas por ideologias políticas diferentes, visões de mundo ou só por não gostarmos do novo flerte um do outro; você até foi para o meu aniversário, coisa que é raridade, visto nosso histórico de brigas em datas comemorativas.

Sei que estou sendo prolixa, mas esta carta, na verdade, é apenas mais um retrato do nosso dia a dia, cheio de conversas sem fim, de diálogos infundados e encantamentos passageiros, todos sempre com o mesmo denominador, quase que a música do Nando Reis: “terminar aquela conversa que não terminamos ontem e ficou para hoje”.

Mas agora, sem mais delongas, gostaria de te contar que também visitei um cartomante; ele acendeu incensos, me percebeu inquieta e tirou as minhas cartas. Nada diferente sob a luz do sol. Ele falou do trabalho, cuidados que devo ter com a saúde, uma viagem que se aproxima e um caminho a ser trilhado, mas, logo enquanto ele se preparava para continuar a tiragem, pedi que parasse, pois não queria saber o que estaria por vir. Faço das suas palavras as minhas: somos jovens demais e, exatamente por isso, às vezes, uma vida equilibrada é baseada na perda do controle.

Uma das coisas que mais admiro em você é sua capacidade de ser elegante durante o desespero, suas frases de efeito e sua ternura até nos momentos de dor; é preciso ser muito distinto para ainda ser bom enquanto está sofrendo. Quem sabe neste ano de 2024 eu não consiga absorver mais essa sua linda virtude?

Vi a necessidade de contar, também, a razão pela qual não te respondi; aqui vai minha justificativa: todos os dias eu estava realizando o pedido que me fizeste na última carta — estava vivendo e criando lembranças com você, seja nos nossos almoços semanais, durante os cafés quase que diários, nas discussões durante as aulas, nas mensagens pelas redes sociais ou nas idas ao barzinho mais próximo possível.

Nesse ano que passou, nós construímos tantas lembranças, as quais farei questão de contar uma a uma para os meus futuros afilhados (menos aquelas que juramos guardar em segredo do mundo exterior); dividimos alegrias, angústias, sonhos, medos e conseguimos materializar um pouco daquilo que a vivência nos exige: a cobrança intensa de construir um legado.

E, finalmente, querido Pedro, gostaria de dizer-te que te acalmes; dentre as cobranças da vida, nossa amizade não entra nessa categoria. Ela é leve, é livre, é recíproca e é atemporal. Sem dúvidas somos opostos, mas não teria como ser diferente: somos como Gal Costa e Caetano Veloso, como a Cássia Eller e o Nando Reis, como todas as poesias e canções de MPB que tanto amamos; somos indecifráveis, cheios de interpretações diferentes e que definitivamente não agradam a todos os gostos…

Você é um fenômeno, Pedro; não deixe que ninguém te pare, não deixe que ninguém tente ponderar você, nem mesmo eu. É essa sua fome de vida, esse seu anseio em reluzir, que te abre tantas portas. Tenho certeza de que seu legado no direito e na literatura amazonense e brasileira já é mais real do que você sequer imagina.

Da sua grande amiga,
Letícia.