Café solúvel
Quando deitei nos seios dela pela última vez, pude sentir seu coração. Tal imagem voltou à minha mente quando, ao repousar a cabeça sobre o travesseiro, como que num déjà-vu, senti o seu perfume mais uma vez. Estranha mania essa a minha (alguns dizem que há um quê mediúnico): a de sentir o perfume de pessoas que não estão no ambiente.
O coração, apertado, sentiu saudade. A pele dela é macia. Sua voz, gostosa, ainda ecoa por aqui. Sua loucura era a minha maior admiração, e o seu caos, diante da loucura da vida, um poema sem métrica escrito num cubo mágico sem resolução.
Talvez ela nunca saiba que a vulnerabilidade de hoje é sobre ela; a música que ecoa pelo meu apartamento tem algo das suas notas musicais. A caneca ao meu lado, um presente seu; o álcool em gel, outro resquício. Como que rodeado de cartões postais, talvez um dia meu dedo, distraído, resolva ligar. Ou talvez, como quem só aceita as intempéries da vida, eu fique quieto por aqui mesmo. Porque, quando a razão grita mais alto, o coração, a saber que está fazendo merda, abaixa a cabeça e fica quieto.
Ainda não tomei o café solúvel que você me deu. Acho que nem vou tomar.