A quem tece as palavras primeiras
Fiquei feliz com a notícia de que estás a galgar os primeiros passos na literatura; tudo começa assim mesmo: de repente, uma epifania nos invade e uma frase ou outra começa a ganhar espaço na nossa mente. Quando menos esperamos, estamos correndo atrás do bloco de notas do iPhone ou de um papel em branco; a inspiração é imediatista — se não for no tempo dela, não quer mais.
Para escrever bem, duas coisas são essenciais: ler muito e escrever muito — não há saída! Se não tivermos referência, pouco ou quase nada iremos produzir; afinal, não teremos uma base decente para tecer um verso ou um parágrafo com qualidade. Leia um pouquinho todo dia; escrever, se der, também. Cada um tem seus horários de maior produtividade; os meus são meio irregulares — às vezes, a coisa vem pela manhã e, quase sempre, durante o banho ou enquanto passo o aspirador de pó.
Há dois tipos de escritores: os construtores e os inspirados. O primeiro grupo planeja o texto mesmo antes de sair a primeira linha; o escritor construtor já organizou tudo mentalmente e sabe como as coisas se darão no começo, no meio e no fim — gosto deles, mas, se não tiverem um pouquinho da essência dos inspirados, tornam-se muito mecânicos. Já o segundo grupo escreve o que lhe vem e nada sabe do próprio texto até que o vê surgindo; os escritores inspirados, se não tiverem um pouco da sagacidade do primeiro grupo, tornar-se-ão muito confusos, pois, quando não se organizam as ideias de forma coerente, nem o leitor nem o próprio autor as entende. Considero-me um pouco dos dois; o meio-termo, minha cara, é o ideal — é preciso a organização dos construtores e a magia dos inspirados. Os melhores textos surgem na interseção entre os dois mundos.
A diferença entre poema e poesia é importante, e todo escritor deve ter o seu conceito na prateleira principal. Poema é texto: está nos versos, nas estrofes, nas rimas e em tudo que envolve o texto concreto. Já a poesia é um conceito abstrato; a última mulher que beijei, por exemplo, é uma poesia viva! Entende? Um poema é uma forma de expressão da poesia; mas a poesia é algo mais amplo, que pode existir mesmo sem o poema.
Comecei a escrever poemas e, com o tempo, me descobri na prosa, mais especificamente na crônica. Cedo ou tarde, hás de descobrir o que mais te apetece — é tudo uma questão de experimentação. A arte da escrita, como o Direito, tem muitas searas e, em algum momento, hás de encontrar algum gênero que faça o teu coração pulsar. Envia-me alguns textos, caso assim o queiras; há algo de mágico em se expressar por meio das palavras — e, de alguma forma, é o mais perto que já chegamos do que muitos chamam de telepatia.