“O cérebro no mundo digital”, como as leituras em telas estão nos sabotando
A cada dia, mais e mais, somos impelidos a consumir literatura de forma digital; por muito tempo eu mesmo tive um Kindle, afinal, livros físicos são muito caros, o que acaba desestimulando a leitura e tornando o hábito de ler uma atividade, num país como o Brasil, extremamente elitista.
Em contrapartida a praticidade e democratização da literatura através de dispositivos digitais como e-readers, tablets e smartphones, estudos recentes – e experiências que eu mesmo fiz – dizem que a absorção da leitura em telas não é a mesma quando lemos um livro físico e, a seguir, irei explicar o porquê.
A leitura profunda e o circuito de leitura
A leitura profunda é um processo que vai além da simples decodificação de palavras. É a habilidade de refletir, inferir e analisar criticamente o que está sendo lido; é conectar informações de maneira significativa. Ao atingir a leitura profunda, o leitor ativa redes neurais complexas que promovem a memória de longo prazo, o pensamento crítico e a empatia.
O “skimming”
De acordo com Maryanne Wolf, no livro “O Cérebro no Mundo Digital”, a leitura digital frequentemente resulta em um comportamento superficial conhecido como “skimming”. Em vez de ler de forma linear e aprofundada, os leitores digitais tem uma tendência a pular parágrafos, escanear palavras-chaves e raramente voltar para revisar ou reler partes importantes do que foi lido.
Esse padrão de leitura pode ser explicado pelo formato digital em que a velocidade da leitura é priorizada, bem como a o volume do consumo, em detrimento de concentração e profundidade.
Há um impacto dos dispositivos digitais na nossa cognição?
A autora menciona durante o livro diversas pesquisas que mostram que o cérebro processa informações de maneira diferente a depender do meio de leitura.
Livros físicos, por exemplo, fornecem uma experiência tátil que auxilia na compreensão espacial do texto (saber onde uma informação está localizada no corpo do livro ajuda na retenção e no processamento da informação).
A leitura digital, ao contrário, é associada a uma maior dispersão da atenção. O próprio design das telas digitais, com notificações e recursos interativos contribui para interromper o foco. Em decorrência disso, os leitores digitais tendem a reter menos informações e apresentam mais dificuldades em realizar uma análise profunda e sistemática dos textos.
As gerações futuras estão em risco…
Para a educação, as implicações são profundas; as novas gerações, expostas à leitura digital, podem ter as suas habilidades de pensamento crítico limitadas e, além disso, ter o desenvolvimento do circuito da leitura do cérebro prejudicado.
Wolf sugere que os pais e educadores incentivem não uma demonização da tecnologia, mas um equilíbrio sutil entre os dois formatos. A leitura digital pode ser útil para informações rápidas, bem como para o acesso a conteúdos diversos, mas é de suma importância que o hábito da leitura profunda, especialmente em livros físicos, seja preservado.
O segredo, como tudo na vida, está no equilíbrio
Apesar das preocupações, a leitura digital também traz vantagens inegáveis, como acessibilidade e conveniência; o desafio está em encontrar um equilíbrio que preserve as habilidades cognitivas essenciais.
Isso inclui a criação de hábitos saudáveis como reservar momentos específicos para a leitura concentrada em livros físicos, promovendo uma conexão mais profunda com o texto.
Também envolve a educação crítica para o uso do digital, ensinando habilidades que ajudam a filtrar informações relevantes e evitar distrações. Além disso, a integração de tecnologias que promovam o foco, como dispositivos e-readers sem notificações, pode ser uma solução eficaz para equilibrar os benefícios do digital com a necessidade de atenção plena.
Conclusão
A transição para a era digital é inevitável, mas o impacto dessa mudança na leitura e na cognição humana precisa ser abordado com atenção. Livros físicos e dispositivos digitais não precisam ser concorrentes; podem -e devem- ser aliados complementares.
O mais importante é garantir que o ato de ler, em qualquer formato, continue a desempenhar seu papel vital no desenvolvimento do pensamento crítico, da empatia e da criatividade.
Não podemos permitir, como Maryanne Wolf alerta, que o ritmo frenético do mundo digital apague as habilidades profundas que tornam a leitura uma das mais importantes conquistas da humanidade.