A biblioteca perdida de Alcides Werk
Com mais de mil títulos, a biblioteca de Alcides Werk sempre foi uma lenda. Ouvi falar dela pela primeira vez através do meu pai; dizia que, além de clássicos autografados por Aníbal Beça, Thiago de Mello e Rachel de Queiroz, especulava-se até sobre cartas escritas à mão pelo próprio Carlos Drummond de Andrade. Em mensagem no WhatsApp, meu pai anunciou que a viúva de Werk tinha interesse em doar a biblioteca à família Calheiros. “São mais de mil livros. Ela quer dar todos. Serão todos seus”, destacou na mensagem. Fiquei muito feliz; a minha biblioteca pessoal, até então, contemplava cerca de 500 títulos e, com a aquisição, somaria mais volumes à biblioteca pessoal que, desde criança, sempre sonhei em ter.
Alcides Werk foi membro do Clube da Madrugada, conhecido por poemas como “Trilha d’água”; exaltava a beleza da nossa região como ninguém; foi amigo pessoal da família e nos deixou em meados de 2002.
Chegar até a casa de dona Santina, sua esposa, fora uma aventura. Primeiro, porque o carro estava com alguns problemas e, a exalar fumaça, tivemos que parar na frente de uma casa desconhecida. O seu dono, no entanto, não ficou quieto: enquanto colocávamos água no motor, exclamou: “Professor Calheiros? Precisas de ajuda?”. Para ver o quão meu pai era conhecido, nos confins de um bairro estranho, ele foi reconhecido por um ex-aluno, que nos ajudou com o problema do carro e, enfim, pudemos seguir a nossa trajetória até a biblioteca perdida
“Essa aventura daria uma bela crônica, viu? Vai ser sua missão escrevê-la”, declarou meu pai, enquanto buscávamos o endereço.
“Desculpa, mas eu passo!”, ri, dizendo a ele que ficaria bem melhor nas suas palavras do que nas minhas. Infelizmente, ele não teve tempo de escrever, e quem vem contar estas reminiscências sou eu.
O problema, em questão, é que meu pai não visitava aquela casa há anos; não foi tão fácil achar. Lembro-me de menino quando ia também; ficava a brincar no quintal enquanto meu pai falava com o poeta e minha mãe falava de plantas e costura com a esposa dele. “Fica em uma esquina, Pedro! A gente vai achar.” E rodamos a procurar até que, enfim, encontramos. Tocamos a campainha, que foi prontamente atendida pela D. Santina. “Pedrinho, você cresceu!”, ela dizia, emocionada em nos ver.
Conversamos por horas; meu pai, sempre atento, a ajudou com algumas questões legais. Num dado momento, fomos até os livros; reviramos os manuscritos, os livros, tudo. É, de fato, uma raridade: a biblioteca contempla diversos exemplares de autores aqui da região, e a maioria autografados, assinalando ainda mais o valor histórico não só para a Paris dos Trópicos, mas para o Amazonas.
A biblioteca perdida de Alcides Werk já está comigo, mas a nossa missão ainda não acabou. A biblioteca perdida de Francisco Calheiros, com mais de dois mil e quinhentos livros, está em Itacoatiara e, muito em breve, vai compor o acervo. Prometo, em crônica, contar como foi tudo. Aos amigos, fica o convite para visitá-la num momento oportuno e tomar um café, jogar conversa fora e declamar poemas de amor. A musa pode vir também, mas aviso logo que vamos beber vinho destilado — de segundas intenções.