A insustentável leveza de desapaixonar-se
A imagem daquela mulher deitada sobre o divã não saía da sua cabeça. Já se conheciam há algum tempo, mas por conta da pandemia acabaram por adiar mais e mais o encontro.
Em seu apartamento mobiliado com papéis de parede fora de moda e muitos livros, Tomas fez amor com Sofia pela primeira vez. No dia seguinte, ao acordar, se deparou com a imagem daquela coisa branca andando de calcinha com uma de suas camisetas pelo apartamento. Teve, na noite anterior, várias mulheres em uma só, e se apaixonou perdidamente por cada uma delas.
Não sem algum remorso, Tomas tirou a escova de dentes de Sofia da pia. Como quem procura por detalhes, foi buscando em cada canto, caco por caco. Um casaco, sutiã, meias, vestidos e até um vidro de perfume; este último, o mais difícil de se desvencilhar. No café da manhã, já exausto da procura, encontrou mais detalhes de Sofia. Não estava apenas nos objetos, os detalhes e até a maneira como ele dispôs os pratos sobre a mesa denotavam a presença inconsciente da jovem moça. A tapioca, por exemplo, foi feita da forma como Sofia faria e, ao perceber isso, Tomas se deu conta de que a sua tarefa seria mais difícil do que o imaginado.
O amor entre Tomas e Sofia era certamente belo, mas cansativo: com o tempo perceberam que era melhor partir antes que acabassem por se machucar ainda mais. O que faltara não era o amor, mas um simples gesto do Universo a colaborar e, como nossos protagonistas perceberam da maneira mais dolorosa possível, o amor não é tudo.
É claro que a maneira como Tomas tirara as coisas de Sofia fora completamente abrupta, fora como se estivesse chateado com ela, mas era justamente o contrário. Tomas se sentia triste consigo mesmo por sofrer tanto, sobretudo por amores que, por mais tangíveis que fossem, subitamente acabavam por se tornar intangíveis.
Como se os meus pensamentos não fossem o suficientes essas taças de vinho me levam onde eu queria estar: na ideia (tudo o que no momento posso ter) de estar ao teu lado. Mas, aos poucos, Tomas fora deixando para lá e em doses homeopáticas o amor dentro de si foi se desfalecendo como uma gota de vinho se desfaria na imensidão do mar.
Ao tomar banho, Tomas, como sempre, se sentia leve. A água caía sobre o seu corpo e no fundo uma música guiava a atmosfera do ambiente. Em modo aleatório, uma canção específica começou a tocar. Tomas começou a rir descontraído. A regar tantos beijos apaixonados, hoje a música era como outra qualquer, com a diferença de que agora não remetia mais a um antigo romance, passou a ser apenas um frenesi de nostalgia.
O sinal era claro: em resposta a dor que o perturbava, aquele momento ímpar dizia que não importa o quão intenso seja um sentimento, cedo ou tarde há de se tornar apenas uma lembrança qualquer de tudo o que poderia ter sido e por algum motivo não foi.