O espaço do conto, do poema e da crônica na minha vida
A escrita como forma de permanência

A vulnerabilidade é inerente à minha escrita. Todo escritor deixa um pedaço de si ao escrever – a única diferença é a dose que escolhe deixar. A minha, como devem ter percebido, em alguns momentos, é mais alta do que deveria. Gosto do contraste de quem me conhece como autor e, a posteriori, conhece a minha literatura – deve ser algo parecido quando encontramos um professor da escola no shopping e nos perguntamos: “– Caramba, ele tem uma vida? Achava que, no final das aulas, os professores eram trancados numa caixa. Como assim o professor Roberto também beija?”. É assim que imagino o leitor ao percorrer os olhos pela primeira vez pelos meus versos ou parágrafos mais libertinos.
Quando comecei a escrever, o debut se deu pelo poema – o amor, sempre ele, nos transforma em poetas a endeusar a pessoa amada; alguns ficam enquanto a paixão dura, outros transformam a métrica num exercício de compreensão da própria existência. Não optei pela segunda opção de forma consciente, tampouco considero que tal inclinação foi uma influência parental direta – acontece, vez ou outra, de espíritos afins encarnarem no mesmo seio; acredito que foi isso que aconteceu quando tive a honra, nessa passagem, de ter sido filho do meu pai. A literatura é uma condição sine qua non para o meu próprio existir, é algo que transcende a existência pretérita. O poema é meu ensaio mais cru, é um sussurro que vem de planos maiores do que a nossa limitada compreensão seria capaz de transpor. Não escrevo poemas por encomenda, a epifania poética é um vento frio num dia ensolarado – a gente até pede, mas sabe que só vem quando quer. No meu processo criativo em versos, o encantamento é imprescindível – posto que a Calíope só me visita quando a essência daquela lírica é capitaneada pelos sensores extrassensoriais que compõem as alamedas do miocárdio.
O conto é meu exercício da ficção – ou quando, não espalhem, eu quero escrever algo que me aconteceu e prefiro não me expor. É o campo onde dou asas a personagens, invento histórias, crio situações que expõem a deficiência social, moral e intelectual da nossa sociedade. Ainda não me aventurei muito nesse gênero, embora haja um considerável acervo em meu arquivo pessoal. É que tudo me é tão autobiográfico que dar asas à imaginação tem sido algo menos frequente quando a desejada das gentes – chame de inspiração ou do que quer que seja – resolve me fazer uma visita. Penso em publicar um compêndio com esses contos, mas é algo que não há espaço no momento; um dia escreverei uma coletânea de contos amazônicos ou, quem sabe, eróticos. Ainda há muito a ser vivido, é preciso que haja um olhar diferente do agora para a transmutação do que a gente vive em literatura.
Ela me encontrou distraído enquanto eu tomava banho; foi através de um convite para contribuir no Jornal do Commercio do Amazonas, em uma coluna chamada Espaço Liberdade. A crônica me veio como a própria crônica nasce – delineada de pormenores do cotidiano, cheia de estratagemas, qualquer coisa de um devaneio que nos invade durante um momento de reflexão ou uma fagulha de verso enquanto, em quatro paredes, contemplamos a musa e o seu corpo nu. De início, eu não sabia o que eu estava fazendo, tampouco tinha noção de que o meu aceite iria representar uma nova fase da minha escrita. Fiquei feliz ao perceber que, como os meus heróis na literatura, o jornal impresso iria compor a minha biografia. A reunião dos meus primeiros anos como colunista se transformou em meu terceiro livro; eram mesmo crônicas de um poeta crônico – porque, mesmo em prosa, meu lirismo ainda se faz presente, é algo que dá ao texto uma aura que a gente só sente e não sabe explicar.
Autobiográfico ou não, tudo que escrevo é para tornar a jornada mais leve – o leitor, ao se identificar, terá a vida amenizada junto comigo. Um hábito antigo para evitar fofoqueiros quando o exercício da escrita se trata de uma experiência pessoal é publicar o texto meses depois; com efeito de uma notícia velha, quem for ler terá acesso a uma versão de mim que já deixei de ser faz tempo. O romance ainda me é um território inexplorado; há algo que me chama para a sua escrita – e, como sempre, obedecerei. Coisas mágicas acontecem quando a gente deixa a birra de lado e resolve escutar o próprio coração.