O Xangô de Baker Street – Sherlock no Império e a sátira de Jô
O Xangô de Baker Street é um daqueles livros que mostram a versatilidade de Jô Soares para além da televisão. Aqui, ele combina humor, pesquisa histórica e narrativa policial com uma desenvoltura rara. A premissa é simples e ousada: Sherlock Holmes desembarca no Brasil a pedido de Dom Pedro II para investigar o sumiço de um Stradivarius e uma sequência de assassinatos marcados por uma assinatura peculiar, o corte das orelhas das vítimas.
Jô reconstrói o Rio de Janeiro do final do Império com rigor e ironia. A cidade é apresentada sem qualquer idealização: ruas sujas, odores fortes, descuido generalizado e uma elite que se protege com lenços perfumados. É um retrato que contrasta com o glamour associado ao período, e esse contraste dá força ao romance. O humor aparece na medida certa, sobretudo quando Holmes e Watson tentam lidar com a culinária local e com os hábitos brasileiros, sempre descritos com precisão cômica.
O enredo policial funciona bem. Há ritmo, pistas, tensão crescente e um domínio claro da estrutura do mistério. Jô entrega uma história que não tenta imitar Conan Doyle, mas dialoga com ele com personalidade própria. A investigação avança com fluidez e mantém o leitor preso ao livro, não pelo desafio lógico clássico, mas pela forma como o autor costura história, sátira e crime.
O Xangô de Baker Street se sustenta como romance policial e como obra literária ambientada num Brasil pouco explorado na ficção. É inteligente, vivo e cheio de detalhes que enriquecem a leitura. Um livro que confirma Jô Soares como um narrador talentoso e consciente do que estava fazendo.