Crônica

A amante

abril 28, 2023 · Pedro K. Calheiros

Quando eu entrei no carro, ela elogiou a minha gravata. Essa mulher sabia como me arrepiar sem tocar o meu corpo — e fez isso não pelo elogio, mas pela forma como fez o elogio. A voz suave, o olhar destilando desejo e um jeito diferente, exalando uma essência libertina que me deixava completamente louco, quase a perder as estribeiras.

A noite, que estava só no início, prometia muito. Ela usava um vestido lilás e um perfume doce. Quando entrei no carro, beijei seu pescoço. Há qualquer coisa de indefinível e fascinante na eloquência feminina. Deus, quando criou as mulheres, aproveitou logo a inspiração para, em seguida, criar a arte, a poesia, a música e todas as coisas na Terra dignas de encanto.

Não era o nosso primeiro jantar, mas eu quis ir a um lugar considerado óbvio. Um dos meus restaurantes favoritos à época, sempre gostei da sensação de segurança que lugares familiares me trazem. Conversamos sobre tudo e, de início, percebi que estava a perder o jogo. O objetivo não era fazer amizade; afinal, quando acontece um date, o esperado são beijos, transbordamento de carícias e, quem sabe, lampejos do que aquele momento casual possa vir a ser.

A atendente até achou estranho; afinal, eu estava voltando com a mesma mulher lá mais de uma vez. Olhou-me pelo canto dos olhos, a insinuar: Hum, as coisas ficaram sérias, né? E nem tinham ficado. Talvez movidos pela conveniência, gostávamos de nos entorpecer da essência um do outro. Depois dos primeiros encontros, quando o tópico inicial são os fragmentos da personalidade um do outro, o que nos movia e nos fazia permanecer completamente excitados era o quão, quando juntos, funcionávamos bem.

Mas não sabia até quando. Tudo que é bom dura pouco, e percebi isso de uma vez por todas quando ela me ligou, já tarde da noite, dizendo que o avião havia acabado de pousar na Bahia e que ela não pretendia voltar tão cedo. Levou consigo, na mala, o coração de um poeta, além de boa parte do meu motivo para ver arte nas coisas belas da vida.
Voltará sabe-se lá quando. O que eu sei é que, daqui a alguns meses, eu já vou ter esquecido e o meu coração, quando lembrar, vai sentir apenas uma fisgadinha gostosa, imaginando tudo o que poderia ter sido e não foi.