Espiritismo

Ensaio sobre a insensatez

outubro 21, 2025 · Pedro K. Calheiros

A mudança sempre assusta; nossa mente tenta sabotar, e o mundo inteiro parece conspirar contra. O cérebro gosta de ficar na sala de estar, com o controle remoto na mão, a nos induzir sempre ao esforço mínimo – por um lado, é bom; do contrário, nunca teríamos inventado a r­oda. Mas é preciso cuidado: se não soubermos dominá-lo, acaba por se tornar o Sete de Paus do tarô, nos colocando em alerta, defensivos e resistentes ao novo, na Jornada do Louco da nossa própria vida. O mundo parece conspirar contra quando as pequenas situações do dia a dia nos impelem a romper com o contrato firmado no cartório da razão; são os momentos em que, ao decidir focar na dieta, alguém aparece com um bolo de chocolate ou os nossos amigos da época das festas resolvem mandar mensagem quando decidimos nos abster do álcool. São testes de coerência.

O esforço em prol do processo de mudança deve ser capitaneado pelo desapego; se continuarmos presos ao que norteava o nosso antigo eu, é mais difícil crescer. E, nesse processo, tem papel ímpar a chamada realidade psíquica, que, em suma, trata-se do nosso mundo íntimo, composto pelos nossos pensamentos, emoções, crenças e memórias que delineiam como cada um percebe a própria realidade.

O desapego tem o papel de acalmar o coração e nos induzir a observar as interações humanas como algo a ser experienciado, tendo consciência da sua finitude – é uma luta contra a programação constituída em nossa gênese, que nos imputa a falsa ideia de eternidade. Presos ao que ficou no passado, deixamos de aproveitar o emaranhado de experiências a serem vividas.

Essa realidade molda o nosso campo vibratório, atraindo ou repelindo pessoas e situações de acordo com a versão que decidimos sustentar. Quando, ao conhecer alguém, há aquele sentimento de que se trata de um reencontro de outras vidas porque “o santo bateu” ou, sem qualquer explicação aparente, a evitamos porque “não fomos com a cara”. Ou quando, sem qualquer explicação, acabamos no lugar certo, na hora certa, e conhecemos o amor das nossas vidas.

É por isso que, ao bancar a decisão de mudança, boa parte das pessoas que permeavam a nossa vida antiga acaba indo embora – quer queiramos ou não, elas não ressoam mais com a nossa nova versão. As situações com que nos deparamos no dia a dia são uma transição, e o que escolhemos fazer diante delas é o que define quem somos. Diante de uma dicotomia, sempre trago a reflexão sobre o que o eu que quero me tornar faria. Ao agir em coerência com o que foi decidido – normalmente algo alinhado com o progresso –, alguns acontecimentos deixarão de se repetir como um disco arranhado; a lição, já aprendida, dará lugar a outras que moldarão o nosso aperfeiçoamento.

A vida é inteiramente didática; tudo que nos perpassa tem por objetivo nos ensinar alguma coisa e nos tornar melhores. É importante, para sustentar quem queremos ser, jamais flertar com algo inferior ao que realmente queremos. Nós não somos produto do que nos aconteceu; nós somos resultado da forma como agimos diante dessas situações – e é isso que nos separa do que somos da pessoa que realmente queremos nos tornar.