Crônica

A escritora

setembro 27, 2025 · Pedro K. Calheiros

O olhar semicerrado me observou, atento, como quem avalia, com cautela, se eu era digno da sua atenção. Apresentei-me e perguntei seu nome; ela me estendeu a mão, mole, como quem cumpre um mero protocolo oficial. A boca, fechada em linha tensa, sustentava um desprezo frio. Desconfiada, respondeu-me como se eu fosse um tresloucado. Disse que era um prazer me conhecer.

Meu outro interlocutor, por sua vez, olhou nos meus olhos e apertou a minha mão, ávido. Conversamos sobre algumas coisas e, ao ouvir a conversa, fomos interpelados pela mulher, antes indiferente e um tanto quanto desconfiada do meu instinto comunicativo e cortês. Disse que também era escritora, ficou surpresa com a minha trajetória literária, comentou que havia conhecido meu pai na faculdade.

O corpo, antes travado, se desfez num gesto de abertura. A bolsa, antes no colo, foi colocada ao lado; os ombros desceram, a postura se endireitou, os braços se soltaram do aprisionamento inicial. O olhar ganhou brilho – e até um ar nostálgico –, enquanto as pernas se descruzavam, quase sem perceber, sinalizando receptividade. Conversamos um pouco. Observei, educado, seu livro disposto na prateleira; ela prometeu, sorrindo, ir ao lançamento do meu próximo livro.

Aquela primeira impressão, feita de desprezo e indiferença, caiu por terra tão logo a identidade foi revelada. O aperto de mão, frouxo e vazio, tornou-se firme, demorado, como se buscasse compensar a frieza inicial. Havia, agora, calor no gesto, interesse no olhar e até uma suavidade na voz que antes não existia. É triste, confesso, perceber como o ser humano trata de forma inferior quem julga irrelevante para depois reconstruir a própria postura quando descobre valor onde antes não enxergava nada.