Crônica

Camarote 10

setembro 7, 2025 · Pedro K. Calheiros

Logo eu, que não saía de casa há semanas, inventei de voltar ao mundo. Meu debut aconteceu no Teatro Amazonas, quando fui assistir ao julgamento do Boto cor-de-rosa que, sem qualquer prova concreta, foi condenado sem levar em consideração o in dubio pro reo (na dúvida, decide-se a favor do réu). Saí de lá com a impressão de que a vida fora do palco também é delineada por condenações levianas; nos tribunais, principalmente, por isso a importância dos advogados para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Alguns olhares me chamaram a atenção, mas nada que me fizesse sair da inércia. É bem verdade que ando com preguiça de interações humanas; de flertar, principalmente. O velho ritual termina sempre do mesmo jeito: em um jantar com uma moça misteriosa ou comigo sozinho, em casa, a ler um livro. 

A minha vida amorosa não é prioridade. Mas, diante do caos da existência — sobretudo em uma existência em que não há qualquer celeridade no procedimento que dá curso ao rio da vida — às vezes me pego a pensar na ideia de viver um grande amor.

Vez ou outra me visita o ímpeto de ir a uma festa; mas a mulher que ocupará o cargo de musa não estará lá. Um romance digno do meu tempo precisa estar em sintonia com propósitos, valores e um projeto de vida; e, cá entre nós, a maioria das pessoas da minha idade está mais interessada em qualquer coisa que não dure mais que um ou dois encontros.

A sensação de voltar ao mundo após semanas imerso em estudos e trabalho foi gostosa. Ainda guardo com carinho a conversa que tive no camarote 10 e o arrepio na pele quando algumas músicas ecoaram. Lembrar-me-ei da importância de sair um pouco de nós mesmos, de deixar o livro de lado, guardar os fones de ouvido e conversar com as pessoas ao redor. 

Semana que vem haverá uma caminhada e um café; e, para quem não usa as cores do Garantido, há uma contradição escondida nos sete nós do tornozelo esquerdo…

No final, cheguei à conclusão de que o réu era eu mesmo, condenado por ausências, silêncios, uma ânsia maior do que eu mesmo de dominar o mundo e por acreditar em falsas promessas de eternidade.