Camarote 10
Logo eu, que não saía de casa há semanas, inventei de voltar ao mundo. Meu debut aconteceu no Teatro Amazonas, quando fui assistir ao julgamento do Boto cor-de-rosa que, sem qualquer prova concreta, foi condenado sem levar em consideração o in dubio pro reo (na dúvida, decide-se a favor do réu). Saí de lá com a impressão de que a vida fora do palco também é delineada por condenações levianas; nos tribunais, principalmente, por isso a importância dos advogados para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Alguns olhares me chamaram a atenção, mas nada que me fizesse sair da inércia. É bem verdade que ando com preguiça de interações humanas; de flertar, principalmente. O velho ritual termina sempre do mesmo jeito: em um jantar com uma moça misteriosa ou comigo sozinho, em casa, a ler um livro.
A minha vida amorosa não é prioridade. Mas, diante do caos da existência — sobretudo em uma existência em que não há qualquer celeridade no procedimento que dá curso ao rio da vida — às vezes me pego a pensar na ideia de viver um grande amor.
Vez ou outra me visita o ímpeto de ir a uma festa; mas a mulher que ocupará o cargo de musa não estará lá. Um romance digno do meu tempo precisa estar em sintonia com propósitos, valores e um projeto de vida; e, cá entre nós, a maioria das pessoas da minha idade está mais interessada em qualquer coisa que não dure mais que um ou dois encontros.
A sensação de voltar ao mundo após semanas imerso em estudos e trabalho foi gostosa. Ainda guardo com carinho a conversa que tive no camarote 10 e o arrepio na pele quando algumas músicas ecoaram. Lembrar-me-ei da importância de sair um pouco de nós mesmos, de deixar o livro de lado, guardar os fones de ouvido e conversar com as pessoas ao redor.
Semana que vem haverá uma caminhada e um café; e, para quem não usa as cores do Garantido, há uma contradição escondida nos sete nós do tornozelo esquerdo…
No final, cheguei à conclusão de que o réu era eu mesmo, condenado por ausências, silêncios, uma ânsia maior do que eu mesmo de dominar o mundo e por acreditar em falsas promessas de eternidade.