Meu desatino
Não tenho qualquer informação concreta sobre ela; tudo que sei me foi soprado por um vestido amarelo elegante demais para ser ignorado e por um tanto de diletantismo que exala do seu Instagram – que, aliás, reconhece o bom gosto ao eternizar em fotografias um dos meus restaurantes favoritos.
Os amores de hoje são assim, modernos, instantâneos, pendurados em vitrines digitais como frutas maduras demais. Não se colhem cartas, nem bilhetes escondidos no bolso do paletó; colhem-se curtidas, respondem-se stories, entram-se em close friends como quem adentra um salão secreto.
Ela tem um rosto que me parece familiar, mas talvez seja só a imaginação cansada de procurar afinidades onde não há nada além de pixels. Penso que é reservada, que não se perde em multidões. Imagino-a atravessando um corredor silencioso de fórum, onde cada olhar pesa como sentença, e ela, com o seu, me lembraria um poema de Drummond. E o cabelo louro — quem sabe? — talvez carregue algo da desordem luminosa de Van Gogh.
Eu gostaria de acreditar que um café bastaria para alinhar o tempo entre nós. Mas, talvez, seja só ilusão, um desejo que não ousa atravessar a tela. O flerte, hoje, parece mais uma dança de avatares: corações vermelhos na tela, emojis sorrateiros, silêncios que falam alto demais. Na minha época — e que época foi essa, tão recente e já tão antiga? — escrevíamos cartas de amor. Agora, eu me pergunto se basta responder a um story para inaugurar um destino.
Meu desatino é esse: olhar de longe, inventar proximidades, escrever sobre alguém que sequer sabe que existe um poema à espreita do seu sorriso.
Cá entre nós, caro leitor; irei mandar esse texto a ela. Na melhor das hipóteses, brindamos no Fitz; na pior, sobra-me a literatura, esse vício que nunca me deixa de mãos vazias.