Conto

O Bar do Caldeira

outubro 14, 2024 · Pedro K. Calheiros

Ela sentou à mesa movida por aquele ímpeto que move os escritores; precisava sangrar. Não era à toa que vivia só, Vinicius de Moraes acabou roubando toda a popularidade do mundo dos escritores para si. Sentia-se triste, o que não era novidade. A maquiagem borrada, os óculos de aro redondos embaçados e a tremedeira nas mãos atrapalhavam o processo de escrita. Acreditar no amor era como jogar uma garrafa de água meio cheia para o alto e torcer para que ela caísse em pé.

Às vezes até dava certo, mas eram apenas corpos a se enlaçar, e mais nada. Havia um quê de tristeza naqueles olhos castanhos, e mal sabia que poderia ter quem quisesse se usasse direito aquele olhar, se soubesse jogar o jogo com o seu glamour. No fundo ela sabia sim, todo mulherão da porra sabe que é um mulherão da porra. Não gostava da superficialidade das relações, sobretudo como as pessoas de sua época lidavam com o amor.

Andava pela rua a caminhar serenamente, dizia para si mesma coisas boas, se recitava uns versos, cantarolava algumas canções, e, em extasia, seu corpo sentia uma profunda vontade de transbordar.

            Não gostava do que havia escrito, parecia tudo metalinguístico demais, e triste, acabava em lágrimas sempre.

            A campainha toca, mas quem estaria a tocar? Não espero ninguém e, se espero, não lembro. Tenho mania de esquecer coisas importante, sobretudo coisas que doem demais. A vida é bela, e triste, é tudo tão escuro, e sombrio; as estrelas começam a falar demais depois das três, principalmente sobre o banco da pracinha onde tantas vezes beijara um velho amor.

            A lágrima escorreu, caiu sobre o seio branco e se perdeu no mistério do sutiã. Quem estava na porta era Clarice, que muito fazia falta em sua vida, que estivera em todos os momentos difíceis, que transbordava em amor todos os dias 24, que dizia que iam se casar numa ilha do Caribe; Carolina pôs a mão sobre o dedo onde um dia habitara uma aliança e rompeu-se novamente a chorar. Mas ela não queria ver Clarice, não queria, em verdade, nem ver a si mesma. Era um dia triste, um dia com muitos pingos de poesia triste.

            Não tivera tempo o bastante para buscar um lugar para transcrever seus devaneios, mas ficou particularmente encantada por um bar de esquina chamado “Caldeira” quando olhou para o chão e viu uma placa de metal com os dizeres “Vinicius de Moraes esteve aqui”. Entrou meio confusa, sentou à mesa, pediu uma dose, uma folha de papel e uma caneta.

            Lágrimas caem sobre o papel, não era um momento bom para escrever, a visita de Clarice havia deixado a jovem Carolina triste; e muito amargurada porque tudo aquilo havia suscitado coisas muito ruins.

            A xícara de café se ergueu uns sete dedos acima do nível normal da mesa, e depois pousou como uma pluma calma e decidida.

            Estou cansada disso, Clarice, bravejou quando finalmente acabara por deixar a moça entrar. Carolina estava deitada no sofá a acariciar um gato cinza. Estamos terminadas, e você sabe, completou. Ontem mesmo eu beijei o Lucas aí nessa poltrona onde você está sentada, e fora muito poético, mentiu. Você é sempre tão lírica… mas não é hora de poesia, está… Não! Não faz sentido continuarmos nesse jogo, nesse vai-e-vem, nessa coisa estranha de trocar fluidos corporais e depois nem sequer olhar nos olhos uma da outra. Você tem razão. E em algum momento eu estava errada?

            As duas seguiam a discutir, sabia-se que no final de tudo sempre acabava em sexo. A verdade é que Carolina é poetisa, mas Clarice não aguenta todas as excentricidades, se sentia aborrecida com todo esse lirismo, e isso, a vir de alguém que se crer que ama, é um atentado à própria essência. Respirou fundo. Estavam a caminhar de um lado para o outro. Eu estava escrevendo, não vê? Você me atrapalhou, minha protagonista ia encontrar o espírito de um velho cachaceiro num bar. Estamos resolvidas? Que ótimo. Pizza ou japonês? A-ah, que acha de vermos um filme do…