A acrobata
Entreguei a bola de golfe no meio da festa como quem entrega um lembrete; à posteriori, ao reencontrar o objeto, a artista lembraria do momento curioso que o recebeu. Por ser algo um tanto quanto insólito, iria relembrar a história toda vez que alguém perguntasse o porquê diacho ela tinha uma bola de golfe. Ou não. Talvez a moça só jogasse a bola numa bolsa de maquiagem, que então por lá repousaria quieta por toda a eternidade.
O clima de festas sempre me foi estranho, sempre preferi um ambiente mais controlado como um jantar regado a massas e um bom vinho; há algumas coisas que somente um casal bem vestido em um restaurante elegante é capaz de proporcionar. Como escritor, no entanto, preciso me expor a algumas situações; afinal, como vou me sair no dia em que precisar escrever uma cena que se passa numa festa lotada?
Ela agradeceu meio confusa e, em meio ao barulho, eu disse que depois explicaria o que aquele gesto significava. Conversamos um pouco sobre a vida; descobri que ela cursava Direito e, no tempo livre, praticava tecido acrobático. Havia em seu pescoço um colar dourado; o pingente era um aparador de sonhos, um amuleto da cultura indígena norte-americana com o objetivo de trazer boas energias, purificar ambientes e trazer sabedoria.
Diana, minha amiga, flertava com um cara no bar; a observava de longe e ela parecia super envolvida no papinho daquele cara esquisito. Acho engraçado que eu nunca preciso dizer que sou escritor com livros publicados e não sei mais o quê; meus amigos sempre falam essas coisas quando me apresentam a estranhos e eu fico com uma cara de taxo porque apesar de saber que não é algo muito comum, não vejo como se fosse grande coisa.
A dona do colar dourado estava com algumas amigas e, num dado momento, senti que estava começando a destilar sinais de desinteresse. Não sei se ela estava me achando o cara mais chato do mundo ou apenas estava concentrada em curtir aquele momento e eu estava a atrapalhar.
Recebo uma mensagem no WhatsaApp; aquela foto com o vestido vermelho era inconfundível. Carolina queria saber se eu topava uma noite de frios e vinho no lugar de sempre; eu disse que até topava, mas que dessa vez teria que ser uma melhor perdedora no Xadrez e que estava proibida de usar aquele decote de novo numa tentativa baixa de me distrair.
Resgatei a Diana dos braços do jovem amante e nos sentamos numa das cadeiras que estavam por lá; ela queria carregar um pouco o celular antes de partir. Enquanto isso, eu debatia com a Carolina se iríamos de vinho branco ou tinto.
Foi nesse instante que eu vi a moça do tecido acrobático pela última vez; ela passou pela minha mesa e disse que já ia embora, então eu a abracei, beijei a sua mão esquerda e a convidei para tomarmos um café em outro momento. Ela aceitou, bem provável que por mero protocolo, e sumiu no meio da escuridão.
No multiverso da minha loucura, a acrobata e a Carolina são a mesma mulher em linhas temporais diferentes.
Qualquer fato ou semelhança com a realidade é mera coincidência.