Pesquisa de campo
Saí de casa movido mais por curiosidade do que por qualquer intenção concreta. Não era noite de caçar histórias prontas, mas de garimpar matéria-prima, sentir o pulso da noite, registrar mentalmente gestos e olhares como quem sublinha passagens num livro alheio. Acabei na Rox, uma dessas baladinhas que tentam vestir um ar cosmopolita, mas ainda exalam nos cantos o cheiro quente e úmido da cidade.
Bastou cruzar a porta para começar o roteiro de sempre: acenos de longe, abraços demorados, sorrisos de quem diz me conhecer — alguns eu reconheço, outros não faço ideia de quem sejam. No fim, invariavelmente, tudo desemboca no mesmo ponto: minha escrita ou o peso simbólico do meu sobrenome. É uma familiaridade estranha, como se eu fosse personagem de uma trama que não escrevi.
O salão fervia. Mulheres bonitas por todos os lados dançavam como se o mundo fosse acabar ali. Olhares cruzavam o ar como tiros silenciosos; alguns me acertavam, outros passavam de raspão. Nenhuma, porém, chegava perto da musa — aquela mistura rara de encanto e lucidez capaz de me despir com um sorriso e me reconstruir com uma frase que só ela diria.
Encostei no balcão, pedi uma bebida e fiquei assistindo. Foi quando Carolina apareceu — olhos afiados como setas, perguntando se eu já tinha estado ali. Ex-amor de um amigo, a presença dela carregava um histórico que, sozinho, já bastava para frear qualquer avanço. Mas havia mais: além de eu ser comprometido, nunca fui talarico. O sorriso dela parecia ensaiado, mas o toque breve no meu braço foi improviso. Respondi pouco, só o bastante para manter a tensão do jogo que não era meu. Era como se o ator quebrasse a quarta parede para falar comigo, mas eu seguisse sentado na plateia.
A música eletrônica pulsava como um coração apressado demais para pensar. Não me agradava, mas servia de trilha para algo mais interessante: a dialética do desejo em movimento, feita de aproximações medidas, recuos calculados e concessões pontuais ao acaso. Em cada par, havia um roteiro invisível: ela avança, ele recua; ele provoca, ela silencia; até que alguém ceda o bastante para que o outro queira mais.
Observei tudo como quem joga apenas por estar presente, mas mantém o olhar de quem estuda. O jogo estava ali e, mesmo sem declarações, todos sabiam que estavam jogando. Voltei para casa com mais material do que memórias — e com a silenciosa esperança de que a loira cacheada não descubra da minha aventura noturna.