Crônica

O dia em que Roberto Carlos processou Francisco Calheiros

dezembro 27, 2024 · Pedro K. Calheiros

Meu pai sempre foi apaixonado por Roberto Carlos. A memória de Roberto em minha infância é bem presente, seja quando ele estava escutando os CDs na biblioteca enquanto preparava suas aulas, seja nos especiais de final de ano, quando a família se reunia na frente da TV. Uma vez, encontrei até uma rosa dentro de um livro que havia sido arremessada pelo próprio Rei em um show aqui em Manaus.

Toda essa paixão se transformou em uma grande decepção quando uma citação judicial chegou pelo correio. Era referente a um livro de poemas que ele estava escrevendo na tentativa de homenagear o Rei. A obra foi entregue ao cantor em um show na capital amazonense.

Ele nunca chegou a terminar todos os versos e, quando vivo, brincava comigo: “Vamos acabar de escrever, daí a gente faz um lançamento na frente do prédio do Roberto lá no Rio.”

Ao ficar sabendo da citação, ficou muito chateado. Chegou até a jogar do quinto andar os CDs e outros itens do artista que havia juntado ao longo da vida. Após alguns anos, ele fez as pazes com o artista e voltou a cantar sobre as curvas da estrada de Santos durante o banho.

Em 2015, após a decisão do STF, as biografias não autorizadas passaram a ser permitidas no Brasil, e o processo perdeu o objeto.

Confiram, com exclusividade, dois capítulos do livro que se chamaria O Filho de Dona Laura — Uma história contada em versos.


CAPÍTULO I

ERA UMA VEZ UM PAÍS QUE SERVIRIA DE BERÇO PARA UM MENINO HUMILDE, CHAMADO ROBERTO, QUE NASCEU PARA CANTAR.

Não se trata de uma história,

Talvez de um simples relato

Cheio de vida e de glória

Como as águas de um regato.

Isto já faz muitos anos

Num período conturbado

Num País cheio de planos

E por Deus abençoado.

Num estado brasileiro

De nome Espírito Santo,

Nascia pro mundo inteiro

A alma de um belo canto.

No pequeno “Cachoeiro”

O mundo lhe deu a Luz

Como as flores de um canteiro

Com as bênçãos de Jesus.

Quem seria esse menino

Que nasceu bem brasileiro,

Filho de seu Robertino,

Um humilde joalheiro?

Muitos chamam de cantor

E outros até de Rei,

Falando sempre de amor

Em tudo que faz e fez.


CAPÍTULO II

CENAS COLHIDAS NO TEMPO, NÃO PROPRIAMENTE DE UMA INFÂNCIA, MAS DE MOMENTOS QUE MARCARAM PROFUNDAMENTE NOSSAS VIDAS.

Dezenove de abril,

Que o tempo nunca desfaz,

Num céu vestido de anil,

Nasce enfim o cantor da Paz.

Foi no “Bairro do Recanto”

No alto de uma ladeira

Que então nasceu para o canto

O filho da costureira.

Casa humilde era aquela

Na verdade um santo altar

Com seu jardim de aquarela

Com sua escada e pomar.

Hoje espécie de acolhida

Dos que lá vão estudar

A história de uma vida

De quem nasceu pra brilhar.

Lá ainda são guardados

Relíquias de um tempo bom,

Fotos, relíquias e dados,

Imagens de vida e som.

Hoje de azul pintada

O muro alto e o laranjal.

Ali só se vê uma estrada

Dando sombras no quintal.

Lauro, Carlos e Norminha

Viveram também ali,

Correndo pela pracinha,

E assim se pondo a sorrir.

Eram todos aprendizes

Do que a vida lhes guardou

Viveram assim felizes

E nem o tempo apagou.

Não vamos falar do trem

Ou do que aconteceu.

Foram mensagens do além,

Mas que o tempo já esqueceu.

Vida minha, vida minha

Do que são recordações

Do que passou e se tinha

Sempre em forma de orações.


Francisco Soares Calheiros (1968-2020) foi um escritor e advogado amazonense nascido em Itacoatiara.

Autor de “Provável poesia”, “Canções de novembro e algumas preces” e “Quadro Negro”, foi o advogado responsável por conceder, através da justiça, o remédio mais caro do mundo para a pequena Isadora Thury, portadora de AME (Atrofia Muscular Espinhal).